Resolvi abrir uma seção no blog para falar dos clássicos de Marketing, aqueles casos que todo professor conta em suas aulas para ilustrar os conceitos que apresenta. Tomei essa iniciativa porque acredito que resgatar as boas historias da área ajudam os novos estudantes a entender conceitos, e como funciona o mundo do Marketing na prática. Também, porque podemos extrair valiosas lições revendo situações nas quais as empresas passaram, e como solucionaram os seus problemas mercadológicos com inteligência, pensando estrategicamente, e com um pouco de sorte. Assim, vamos falar um pouco sobre o famoso caso no qual uma empresa menor resolveu desafiar a líder de mercado, as estratégias de Schincariol para desafiar a Ambev.
Era o ano de 2003, e a companhia de bebidas Schincariol resolveu relançar a sua cerveja. Com uma estratégia muito boa, trocou o nome Schincariol, um nome muito grande para um bem de consumo (era um pouco difícil de pedir essa marca no balcão, tente você mesmo falar o nome da marca rapidamente, parece um exercício de aquecimento das cordas vocais). Além da redução de seu nome facilitando sua pronuncia, também melhorou a sua imagem visual em suas campanhas publicitárias e na embalagem, até por uma questão de tamanho, uma palavra menor tem a possibilidade de aumentar a fonte no rotulo e permitir um maior destaque nos pontos de venda, também foram precisos em colocar um adjetivo em sua marca. Passou a se chamar Nova Schin – segundo estudos de Neuromarketing, os consumidores adoram palavras como “grátis”, “desconto” e “novo”. Foi uma ótima estratégia, isso porque, após mais de treze anos de seu lançamento, a palavra “nova” não perdeu o seu impacto, devido ao fato que faz parte de seu nome.
Outra estratégia usada para o lançamento da cerveja foi a campanha Experimenta, que com o uso de atores globais, convocavam os consumidores a experimentar a nova bebida, com um apelo simples, repetitivo, e que se tornou um viral no mercado (se você não lembra da campanha, assista ao vídeo aqui). Para fechar com chave de ouro sua estratégia, roubou de seu rival, a cerveja Brahma, o cantor Zeca Pagodinho.
O público adorou. O mercado de cervejas entrou em alvoroço. Como uma marca que era apenas coadjuvante no mercado poderia desafiar um gigante como a Ambev dona das marcas Brahma, Antarctica e Skol? Como? Era a repetição da eterna luta do David contra Golias, do menor contra o maior, do mais poderoso contra um simples desafiante de mercado. Como temos por hábito sempre torcer pelo mais fraco, seja no esporte como no mundo empresarial, todos torceram pelo sucesso de nosso David das cervejas.
Foi uma estratégia ousada porque, desafiar Golias é arriscado. Quando ele resolve atacar, suas armas são mais poderosas, seu poderio é maior, e consequentemente, causa um grande estrago. E, foi isso que aconteceu. Pobre David, a história bíblica não se repetiu no mercado de cervejas… Não tivemos o Leicester, pequeno time da Inglaterra que no ano passado ganhou a Premier League, a maior zebra do historia do campeonato inglês de futebol (diga-se de passagem, todo o mundo do futebol torceu para esse pequeno David).
Quando a Ambev resolveu reagir, suas estratégias foram cirúrgicas, precisas e intensas, intensas como um gigante Golias. A primeira atitude da empresa foi, sensatamente, esperar que os investimentos da Schincariol fossem reduzidos, afinal, uma empresa desse porte não possuí recursos suficientes para manter tal investida por muito tempo. Depois, em uma contraofensiva poderosa que gerou muito buzz nos meios de comunicação, roubou o cantor Zeca Pagodinho de sua rival, e de quebra, ainda criou uma campanha publicitária na qual o cantor mencionava que havia voltado para o seu verdadeiro amor – todos sabem que ele é um fiel consumidor da cerveja Brahma.
E o toque final foi a investida com as outras marcas de seu portfólio. Além das campanhas de retorno do Zeca Pagodinho para a Brahma, houve uma intensificação das já famosas campanhas da Skol com o seu “desce redondo”, e a criação da BOA – Bebedores Oficiais da Antarctica, com famosos atores globais encabeçando as propagandas da marca. O David estava derrotado. A história bíblica, ao menos no mercado de cervejas, não havia se repetido…. será?
Bom, mais ou menos. Essa estratégia da Schincariol, apesar de aparentemente suicida, rendeu valiosos frutos para a empresa. Sua participação de mercado em fevereiro de 2002 era de 8,8% no mercado de cervejas, já em dezembro de 2003 saltou para 15,2%. Um considerável incremento de milhões de reais para o seu caixa.
Possibilitou a marca entrar em uma faixa de preços altos no setor. Isso porque, antes de seu lançamento, sua faixa de preço era abaixo das praticadas pelas líderes, mas, com o lançamento do produto, ela pode cobrar mais alto, porém (nesse ponto está a sua grande estratégia) um pouco inferior aos seus concorrentes. Apenas para comparação, se as marcas consagradas na época possuíam um preço por volta de R$ 2,70 a garrafa de 600 ml, a antiga Schincariol era obrigada a cobrar um preço de R$ 1,70 aproximadamente. Com o lançamento da Nova Schin o preço subiu de patamar, e a marca pode cobrar, em média R$ 2,50, um considerável aumento.
Ainda falando em termos de preço, minha opinião, tanto na época como agora, é que o sucesso da estratégia de lançamento da nova cerveja não foi a campanha Experimenta, muito menos roubar o cantor da rival, mas sim se estabelecer como uma marca de cervejas de qualidade com um preço inferior aos seus concorrentes de mercado. Preço baixo dentro de uma categoria de produtos com preços mais altos. É claro que as campanhas ajudaram, mas a estratégia de preço foi fundamental.
E, por final, sua marca acabou ficando conhecida no mercado. Conseguiu criar uma marca que se tornou referencia no mercado, possibilitando que anos mais tarde a empresa fosse vendida, a um preço superior de mercado para uma companhia de seu porte, aos japoneses da Kirin.
Portanto, acho que no final, mais uma vez, David venceu Golias. Mas, cuidado ao desafiar um concorrente mais poderoso. Na maioria das vezes, o Golias vence o David. Na maioria das vezes é melhor atacar um concorrente do mesmo porte antes de se aventurar em desafiar os líderes de mercado.